Quantcast
Channel: Luis Antonio Lindau – TheCityFix Brasil
Viewing all articles
Browse latest Browse all 30

O viajante e as ruas completas

$
0
0
Avenida Santos Dumont, em Belo Horizonte, prioriza pedestres, ciclistas e o transporte coletivo (foto: Mariana Gil/WRI Brasil)

Avenida Santos Dumont, em Belo Horizonte, prioriza pedestres, ciclistas e o transporte coletivo (foto: Mariana Gil/WRI Brasil)

É comum ouvir que o viajante brasileiro visita as cidades modernas e retorna admirado pela eficiência do transporte coletivo, pelo poder da integração entre os diversos modos de transporte e pela notável contribuição das bicicletas para a mobilidade. Sente-se em outro planeta ao caminhar com segurança e deslizar a mala de rodinhas pelas calçadas, um bom exercício para perceber os limites que a cidade impõe a quem depende de uma cadeira de rodas para a locomoção. Ao retornar, ele entra no carro e vai trabalhar.

Em As Cidades Invisíveis, de Ítalo Calvino, quando Kublai Khan pergunta a Marco Polo se ele viaja para reviver o passado ou encontrar o futuro, o veneziano responde que os outros lugares são espelhos em negativo, pois “o viajante reconhece o pouco que é seu descobrindo o muito que não teve e o que não terá”. O “não terá” provoca reflexão. Nossas jovens cidades realmente não contam com a arquitetura milenar de muitas das europeias e asiáticas, mas isso não nos impede de dotá-las de um desenho urbano compatível com os desafios de uma cidade moderna.

Ruas Completas é um dos conceitos que o WRI Brasil vem disseminando para tornar as cidades brasileiras mais equânimes e focadas no bem-estar das pessoas. Desenhar ruas completas é colocar todos os usuários em pé de igualdade – como garante a legislação brasileira – promovendo espaços seguros e acessíveis para pessoas com diferentes níveis de mobilidade, sejam elas pedestres, ciclistas, usuários do transporte coletivo ou motoristas.

Em parceria com a Frente Nacional de Prefeitos (FNP) e apoio do Instituto Clima e Sociedade, criamos a Rede Nacional para a Mobilidade de Baixo Carbono, composta por dez cidades: Niterói, Porto Alegre, João Pessoa, Campinas, Joinville, Salvador, São Paulo, Juiz de Fora, Recife e Fortaleza, além do Distrito Federal. Cada participante da rede elegeu uma via para materializar uma rua completa, onde as pessoas poderão vivenciar o conceito e empoderar-se como protagonistas da transformação urbana.

O que fez essas cidades aderirem à ideia? Cresce a convicção de que precisamos planejar a cidade para as pessoas. Que tal pensar em como um acesso de qualidade às estações influencia a escolha pelo transporte coletivo? Ou como uma via segura incentiva as pessoas a caminhar e pedalar mais, reduzindo a poluição do ar, os acidentes e os gastos com saúde pública? Há evidências de sobra a demonstrar que medidas assim movimentam os espaços públicos, promovem a inclusão social e a equidade, além de trazer benefícios diretos para a economia local.

Quando construímos uma rua completa no IV EMDS (Encontro dos Municípios com o Desenvolvimento Sustentável, da FNP) em parceria com Sinaenco, Sobratema e a própria FNP, rapidamente o espaço tornou-se o principal ponto de encontro do evento realizado no estádio Mané Garrincha, em Brasília. Ao poderem vivenciar uma rua compartilhada, com iluminação na escala dos pedestres, fachadas ativas, superfícies de qualidade e em nível, as pessoas naturalmente escolheram aquele espaço para a convivência após dias cheios de atividades.

Temos percebido uma aceitação grande às ruas completas, pois representam uma visão de cidade a qual qualquer cidadão se identifica. São modelos de rua em que todos têm vez, seja motorista ou cadeirante. Elas impulsionam as pessoas a se conectarem, a curtirem a cidade. Quando as pessoas têm a oportunidade de experimentar esse tipo de distribuição do espaço, rapidamente elas reagem e pedem por mais.

Nos próximos anos, as gestões municipais contarão com uma ótima oportunidade de tornar as cidades como um todo mais completas, pois precisarão revisar seus planos diretores. Elas podem seguir o que Boston, nos Estados Unidos, ou Toronto, no Canadá, já estão fazendo: definir padrões de desenho de alta qualidade para cada tipo de rua, seja arterial, coletora ou local.

Nossas cidades não precisam repetir a lógica do espelho de Marco Polo. Hoje, há poucas ruas completas nas cidades brasileiras, mas no futuro podem ser muitas.

 


Viewing all articles
Browse latest Browse all 30

Latest Images

Trending Articles





Latest Images